Wednesday, November 10, 2010

Do botequim ao Valqueire

Não que ela não gostasse de comer bem. Muito pelo contrario.
Aos domingos, quando não se reunia com a família na churrasqueira ao lado da piscina costumava ir com as crianças a churrascaria do Valqueire comer uma fraldinha, degustar uma banana caramelada, enquanto o maridão se entupia de chopp regado a anéis de cebola, e a garotada se fartava na batata-frita com catchup.
Tinha ido a "Churrascaria da Lili" pela primeira vez ainda noiva do Ricardo, para assistir a apresentação da banda-cover de um ex-namorado.
Entre seus programas gastronômicos preferidos inclua-se também uma passada pelo trailer do Irajá quando em visita a sogra. A mulher do quiosque, conhecida de infância do marido fazia uma feijoada de camarão de dar água na boca. Quando não era a feijoada era uma sopa de ervilha com bacon, que repetia com gosto para não chegar em casa e ter de se preocupar com o fogão.
Até que um dia ouviu falar, pela amigas do trabalho na "radio corredor", do buchicho da Lapa.
Tomada de uma juvenil vontade queria levar o marido para recordarem os tempos de embalo da turma do IAPC.
Mas como a night do Centro só começa a ferver lá pela madrugada tinha que achar um dia em que a irmã estivesse de namorado novo para dormir na sua casa com as crianças.
A coitadinha da moça, solteirona com seus trinta e poucos anos só achava de se engraçar para uns pé-rapados que não tinham grana nem para o motel, e viviam de se aproveitar dos seus dias de babá, desfrutando de uma noite de luxúria no sofá da sala.
Naquele dia chegar até a Lapa não foi fácil.
Carro enguiçado na Avenida Brasil, blitz da PM, e guerra de facções na comunidade ao lado de onde morava... Mas tinha combinado com as meninas há algum tempo e não podia faltar.
Sorte que o marido Ricardo, soldado da guarnição do 5º Batalhão, que tinha um pé na milícia e uns trocados para aliviar na blitz, estava de folga no bico de segurança que fazia na transportadora do cunhado rico.
Para as amigas do trabalho, todas descoladas boazudas da Zona Sul, a Lapa era café pequeno.
Moradoras, umas da Barra, outras de Ipanema estavam acostumadas a agitação do São Nunca, e aos papos regados a vinho e focaccia do Tizziano, lugares a que eram levadas pelos sarados pit-bulls da academia.
Mas para ela, que mal sabia distinguir a diferença entre Barra e Recreio pouco diferença fazia o lugar, o que importava mesmo era a companhia do Ricardo, imponente príncipe negro por quem era perdidamente apaixonada.
Na mesa era a única casada. As outras todas exímias pegadoras de fim de semana, loucas para encontrar um namorado rico.
Afinal, se no tele-markenting todos gostavam dela não era pela semelhança social, mas sim pelo seu ar simpático, pelo seu modo fashion de se vestir e ser, por sua imensa capacidade de virar o jogo, uma mulher de fé, pronta a fazer de um limão uma limonada.
Depois dos beijinhos de praxe, acostumada a ir ao "Bacalhau da Ilha" nas suas comemorações de casamento foi logo pedindo uma porção dos bolinhos, ao que o garçom respondeu "Pataniscas?".
As amigas explicaram a diferença do nome besta e aconselharam-na a pedir o tal do "Escondidinho".
O lugar servia um a base do fedido peixe com purê de batata baroa que era uma verdadeira delícia.
De novo o estranhamento uma vez que além da batata inglesa do mercadinho onde fazia as compras só tinha conhecimento da batata doce.
E tome cerveja importada, que o Ricardo foi logo pedindo ao saber que Brahma para o lugar não passava de um ícone religioso da "chef" do local.
Foram bem umas 3 horas de balada e já passava das 2 da madrugada, depois de muito chorinho, pagode e rock'n roll, regados a caipirinha de Sagatiba e Absolut com seriguela, a frutinha da moda, que o já porrado marido deu o toque para irem embora, pois tinha de trabalhar no dia seguinte.
Dando como sugestão racharem a conta por todas como manda o figurino do subúrbio levantou-se para um breve xixi e retoque no batom, enquanto o Ricardo fazia papel de cavalheiro, chamando o garçom, para não ficar com a fama de não se coçar.
A essa altura já estavam sendo atendidos pelo maitre, coisa chique que só os cheios da grana tinham direito.
Aberta a nota inevitável foi o choque com o valor da noitada.
Mas aquela altura do campeonato era impossível alguém sair pela tangente. Se oferecer para lavar os pratos (risos), nem pensar... Só nos filmes que via na sessão da tarde.
Alegre e sorridente tinha que morrer com algum na dolorosa, e a única fonte desse algum era o Ricardo que, já totalmente caneado saiu-se com a exclamação final, querendo dar uma de gostosão na frente das meninas do trabalho:
"Deixa comigo! Essa é por conta da minha querida florzinha, a quem eu amo muito, e que merece a vida de rainha que eu dou pra ela!", no que foi aplaudido e ovacionado pela mulherada interesseira da mesa.
Pronto! Tinha sobrado para ela. Ia ter que morrer na malhação da academia para pagar o rombo do cartão de crédito, além de ficar chupando o dedo noites a fio, pois os bicos do Ricardo iam ter de aumentar.
Já no carro, que corria em zigue-zague pela Avenida Brasil botou-se a pensar.
Como é que um lugar tão caro podia ter o nome de "boteco", já que para ela botequim estava mais para "pé sujo"?
Foi quando entendeu a frase afixada no corredor do banheiro, naquele instante em que esperava para retocar a maquiagem:
"BARATINHO É O FILHOTINHO DO MARIDINHO GAY DA BARATINHA DEVASSA".
Certamente tinha errado o lugar da balada.