A história não sei bem como foi. Só sei que me contaram assim.
Tinham combinado de ir a um churrasco na roça, bem longe das quintas de onde moravam.
No dia anterior a partida a crooner do conjunto veio com uma conversa esfarrapada só pra negar o compromisso da carona.
Ficaram os dois a ver navio, já que o carro que sobrara não dava pra carregar a galera de bicões.
Foi ai que surgiu a idéia de convidarem o Beto, sanfoneiro de mão cheia que não se negava ir num pagode onde rolasse birita à vontade.
Pra convencer o sujeito, que embora sanfoneiro fosse gente de trato refinado, acostumado as mordomias da vida de quem, bem nascido, carrega dinheiro no bolso disseram que o lugar era um paraíso, e que lhe aguardava uma recepção digna de astro de rock, com banhos em cachoeira e praias de belas donzelas.
Se aboletaram quatro num carango, mais quatro no outro, este um belo possante com ar e som de luxo, que claro era do Beto Sanfoneiro.
No meio do caminho, já perto do lugar lembraram que não sabiam o caminho, pois nunca tinham estado lá no tal lugar.
Ligaram pro cara do churrasco pra que viesse até ali pra rebocar a galera em segurança.
Enquanto isso, calor escaldante, a garganta secou.
Bem numa das esquinas da encruzilhada em que se encontravam perdido ficava a birosca do Ray, posto que na roça, seja o nome boteco ou botequim é coisa de fresco.
Como nos velhos filmes de cowboy, poeira, mosca e ninguém não faltavam. Talvez fossem os primeiros clientes daquele dia calorento.
No que sentaram arriaram logo uma meia dúzia de loiras geladas.
Bar cheio de estranhos, gente alegre e conversadeira chamaram logo a atenção de quem passava.
O Ray, de nome completo Reinaldo, melhorou o atendimento e a atenção, pois aquela tarde prometia diversão e bons negócios.
Quando o dono do churrasco chegou já tinha ido quase uma caixa de cerva.
Meio puto - tinha deixado os convidados pra rebocar aquele bando de músicos relaxados -, falou que o lugar era logo ali.
A essa altura o lugar fervia de gente, pois Beto Sanfoneiro tinha falado da sua função, criando a expectativa de que viesse a tocar.
No grupo ao lado, Brasileirinho, peão parrudo e queimado de sol, que costumava bater ponto no lugar, já tinha tomado intimidade, e exigiu:
- Se não tocar, daqui não sai !!!
Ato continuo mandou descer mais três, no que Beto Sanfoneiro sem se sentir intimidado gritou:
- Vá lá no carro e pega a sanfona!
A função começou com "Asa Branca", depois "Carinhoso" e prosseguia nessa levada do nosso cancioneiro quando Zé Cueca, um peão baixinho e desdentado, já com a cara cheia de cachaça começou a puxar o canto de um arrasta-pé daqueles bem fuleiros, de gente criada na roça.
Beto Sanfoneiro não negou suas origens de cara do interior, e deleitou Zé Cueca com um pout-porri que fez juntar mais gente, gente simples das cercanias não acostumada com aquela beleza de sanfona de não sei quantos baixos. E tome Trio Parada Durada - "As andorinhas voltaram/ e eu também voltei..." -, Tião Carreiro e Pardinho, e muitos outros de sucesso do sertanejo original.
O Ray era só sorriso na perereca reluzente. Da caixa e meia que o grupo tomou, bem deixou de cobrar umas dez cervejas.
Pena que foram embora, saindo aclamados como se ali tivesse passado uma Caravana Holiday.
Beto Sanfoneiro, vaidoso chegou ao churrasco contando prosa, cheio de razão, mesmo porque o lugar não era o que tinham lhe prometido, sem mordomias. Teria que dormir no chão e dividir o quarto com os morcegos que não pagavam aluguel.
Meio chateado foi embora de madrugada, deixando na mão a galera, e na birosca do Ray uma bruta saudade do dia em que ouviram Beto Sanfoneiro tocar.
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