Bob Devasso é um personagem recorrente em minha vida.
Conheci-o nos tempos da faculdade freqüentando os mesmos botecos que eu.
Naquele tempo tentava afogar a covardia de não ser um engajado na luta armada contra a ditadura nas doses de Riopedrense que era moda beber.
De política o Bob fugia como fugia também da mocreia que vivia enchendo seu saco, e com a qual era casado.
Tinha dois filhos lindos o puto, os quais gostava de exibir aos amigos que não saiam da sua casa, onde rolava sempre muita música e cerveja.
Nossa amizade começou a crescer a partir do dia em que eu o levei a um show do Milton, onde o protesto não ficava só nas canções mais também no comportamento.
Acho que foi dai que lhe acrescentei ao apelido a alcunha de 'devasso'. Sentado no chão atrás de uma tremenda gata empatolou-lhe as mãos nos peitos enquanto soltava o vozeirão ao ritmo de "Travessia".
Dormiu no sofá naquele dia e pegou gosto pela devassidão.
Passava madrugadas ao violão cercado sempre de muito papo e sacanagem distribuída nas matinas por drogadas menininhas, para as quais o Bob era um careta pois só gostava de tomar cachaça, conhaque ou cerveja.
Gostassem ou não Bob era um filósofo. Suas sacadas existenciais eram únicas e lhe valiam os aplausos que gostava de receber.
Sujeito de inúmeras virtudes, entre as quais a de implicar comigo me chamando de canalha, se fazia respeitar aos berros com sua voz de tenor. Bastava uma mulherzinha se achegar da mesa de qualquer botequim que a gente sentasse, e ele lançava no ar a maldição “Birão é um canalha!”.
Foi assim, sem explicar por que por muito tempo. Até que apareceu uma zinha por quem me apaixonei e ele derramou mais uma vez os seus minutos de glória.
“Canalha é canalha, não tem moral” disse.
“São capazes de comer a filha, e sem nenhum pudor, comer a mãe. Meu amigo Birão não chega a esse ponto mas é capaz de dispensar a namorada na porta com a outra deitada na cama.” Rubro de vergonha não interrompi.
“E como todo bom canalha Birão não consegue ver na sua frente os costumes, os mais enraizados em nossa sociedade quando se trata de mulher. Não liga para compromisso, relação, aliança, e é capaz de dividir a mesma cama com mais de três.”
Preste a perder a namorada cochichei no ouvido da moça que a definição cabia mais a ele do que a mim. Mas Bob não estava nem ai para a minha infelicidade. Queria dar seu show, filosofar mesmo que isso lhe custasse a minha amizade. Mas toda grande estrela tem sempre um bom final para sua apresentação, e nessa ele quis demonstrar sua amizade por mim.
“Mas existem os canalhas que ultrapassam essa barreira e se tornam uns cafajestes, e meu amigo Birão, um bom sujeito é apenas mais um canalha”.
A mesa cheia de vagabundos, bêbados e drogados clamava por uma definição. Embora palavras sinônimas qual seria a diferença entre o canalha e o cafajeste na concepção do Bob Devasso?
“O canalha não esconde com quem transou; o cafajeste sai contando para todo mundo. O canalha respeita a lágrima; o cafajeste dá porrada. O canalha adota a tática do cavalheirismo para chegar no alvo; o cafajeste é mal educado, só pensa em si, e é capaz até de cuspir no chão. E por ai vão as diferenças.”
A namorada lascou-me um beijo na boca, toda orgulhosa do canalha que tinha ao lado. E o Bob continuou.
“E o pior cafajeste é aquele que tem dinheiro no bolso. Aquele que agride uma empregada doméstica pensando ser prostituta. Aquele que leva viado para motel, e depois arma um barraco para não pagar, dizendo que nem desconfiava que era. E mais... Que é capaz de enrolar uma pobre donzela suburbana, prometendo casamento só para levá-la para a cama, e depois largar a coitada, apaixonada, na rua da amargura. O canalha lida com o igual; o cafajeste com a diferença. Nenhum dos dois tem alma, mas o cafajeste não tem mãe. E se a tem é dona de um bordel.”
Orgulhoso por não me enquadrar na definição de cafajeste que o Bob encontrara fui para a cama com a burguezinha que viria a ser minha futura mulher.
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