Eram três gambás. Um fugiu, os outros dois Mica matou.
Mica é o caseiro do sítio, homem dos sete instrumentos.
Quando soube que os gambás estavam escondidos no sótão da casa ficou eufórico.
Montou tocaia durante dois dias esperando os bichinhos aparecer.
Até que no terceiro eles resolveram dar as caras descendo pelo cajueiro.
Mica correu atrás, deu-lhes uma paulada que não pegou – os bichinhos correram céleres pra cima da árvore e de lá não resolveram mais sair -, e saiu todo prosa contando vantagem.
Mica foi em casa, pegou uma lanterna e voltou, subindo na árvore... E nada!
Até que, outro dia a tardinha, saindo do pasto depois de apartar os bezerros recebeu a notícia. Estavam fazendo barulho, em cima do forro da cozinha.
Rapidamente subiu no telhado com um cabo de vassoura e foi direto onde um dos bichinhos estava.
Deu dó! Agarrou o gambá pelo rabo e aplicou-lhe uma pancada na cabeça. O bichinho chorava, e ainda estava estrebuchando quando ele o jogou de cima do telhado.
Não agüentei a cena de vê-lo carregando o gambá pelo rabo, a caminho da sua casa de onde iria direto para a panela.
E eu que não sou amante de carne de caça fiquei curioso para saber o gosto que têm, como se prepara e faz.
Hoje numa prosa na varanda recebi uma aula desse animal, tido por alguns como peçonhento, amigo do meu pé de siriguela, inimigo dos ovos das galinhas do quintal.
O gambá é um animal estranho. Feio que nem dó exala um fedor, uma catinga sempre que está acuado.
E é essa catinga, esse fedor que tem que se cuidado em retirar ao preparar.
São duas glândulas debaixo do sovaco e duas na altura da virilha que tem que ser arrancadas fora antes do preparo. Tem também uma outra carne no pescoço que tem que ser tirada.
Depois é pegar o bicho e “salpicar” no fogo (salpicar é queimar o pêlo assim como se faz com o porco).
Salpica e raspa, tantas vezes quantas forem necessárias para limpar todo o couro.
Depois lava-se o bicho, corta-se ao meio da cabeça ao rabo, dividindo em dois.
Parte-se em pedaços e põe para marinar num tempero a base de alfavaca, alho, sal, vinho tinto, e para alguns cebola.
Curtida bem a carne leva-se ao fogo com água para cozinhar e amaciar em panela de pressão.
Ao final, vendo que os pedaços estão macios joga-se fora o molho e frita-se em gordura quente.
Não foi dessa vez experimentei. Mas da próxima, se o bichinho for mais carnudo, com menos gordura vou provar.
O papo estava rolando quando chegou “seu” Romário, pescador de Arraial do Cabo falando de passarinho.
Foi quando perguntei: “Já comeu gambá, “seu” Romário?”
“Já comi sim..” respondeu “...mas hoje não sei se teria coragem de comer mais não!”
“Antigamente a gente comia rolinha, pombo, passarinho, tudo matado com estilingue. Hoje, velho tenho pena desses bichinhos de Deus que vivem perdidos no meio do mato” arrematou em tom de pena.
Gente simples com suas estórias, perdidos que nem gambá, com suas preocupações ecológicas nesses tempos em que a preservação do meio ambiente esbarra, volta e meia com os prazeres da carne.
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