Wednesday, May 25, 2011

A Comida De Rua da Dona Odete, e seu Coquinho Queimado; e do Gomes com seu Angú

O Rio de Janeiro tem tradições que vão muito além do samba e do botequim.
Sou de um tempo em que o Rio tinha um grande Mercado Municipal.
Ficava ali na Praça XV, e de onde só resta a torre do Albamar.
Tinha o Largo da Carioca, com seus bondes passando por baixo do Convento de Santo Antonio.
Eu era garoto, mas lembro do chororô que foi a demolição de tudo para construção do Edifício Avenida Central (já lá se vão 50 anos!). E também da burra obra da revolução de botar o antigo Senado abaixo para construir aquele feio obelisco no final da Avenida Rio Branco (e de lambuja, logo depois botaram abaixo o Restaurante do Calabouço).
Por ter sido uma cidade imperial, e abrigado príncipes e imperadores, o Rio de Janeiro abrigava a nata da burguesia, por aqui ficarem a sede dos organismos públicos do império à república.
E o centro da cidade era, sem dúvida a espinha dorsal de tudo.
Praça Mauá, Avenida Rio Branco, Praça Tiradentes, Largo da Carioca, Praça XV, e tantos outros lugares do  Centro quem não conhece, por ter corrido atrás de um processo, necessitado de algum serviço público.
E em volta das ruas do Centro a tradição da comida de rua cresceu. Ambulantes, pregoeiros e personagens vários com seus quitutes e guloseimas fizeram nome e fortuna.
Não sou um historiador, mas um simples contador de histórias e na minha seara posso me lembrar de dois. A história e as receitas eu deixo para o pessoal do "Guia Carioca de Gastronomia de Rua" (Editora Arte Ensaio).
Ah, o "Angú do Gomes"! Quantas madrugadas de fartei naqueles pratos de metal. Suculenta iguaria cuja especialidade era premiar com um pedaço de rabo de boi para o freguês, além dos bofes e dos miúdos.
E quando das minhas idas ao médico, no Hospital dos Servidores do Estado não deixava de dar uma passadinha alí pelos arredores da Praça Mauá para me fartar com o "Coquinho Doce Queimado" da Dona Odete.
Dona Odete, que por sinal continua lá na Praça Mauá, agora numa barraquinha padronizada, depois de ter criado os filhos com aqueles pacotinhos de doce de amendoim e coco, acondicionados em papel celofane fechados manualmente com muita técnica.
Outros personagens existirão. As baianas com seus tabuleiros e os vendedores de amendoim, com suas latas de banha para aquecer com carvão.
Mas os dois que eu citei acima servem de exemplo para aquilo que Sergio Bloch e Ines Garçoni tão bem buscaram no seu projeto que se transformou em um Guia.
 

Sunday, May 15, 2011

A Marcha das Vadias chega às portas do boteco

Certa vez me apresentava em uma escola quando me referi a uma garotinha frenética: "Você é muita exibida".
E ela na sua inocência respondeu: "O que é isso?".
A meninas crescem, se tornam mulheres, trajam roupas e adquirem costumes que as fazem "exibidas".
Para alguns, mulheres sentadas na mesa de um boteco, pernas cruzadas pagando calcinha, gestos largos, olhar sedutor é sinal de disponibilidade, de estar a fim.
Tenho amigas aos montes, e as que mais amo são aquelas que mantiveram seu jeito natural e espontâneo, passado vivido a frente do rosto, homens que ficaram e prazeres não esquecidos.
O que leva uma mulher a querer esquecer o passado, e querer deixar de lado o seu ar de "vadia"?
Acho que a maternidade para algumas, a caretice para outras, mas o principal fator é o tal do controle social.
Aos poucos as mulheres vão se submetendo aos critérios machistas da sociedade, e deixando de lado seu modo de vestir, de falar, seu ar de sedução, tudo para estar conforme as regras do comportamento social.
Quanto mais o tempo passa vão deixando de lado a naturalidade em exibir o corpo, de falar o que pensam, de contar suas histórias com prazer.
Não sei, mas a liberdade por que bradaram tantas mulheres do meu tempo ainda não foi plenamente alcançada.
Ainda temem o estupro (real) de homens que acham que seu modo de ser é um sinal verde para o sexo.
Meu amigo Bob Devasso, por exemplo, coleciona em seus relacionamentos afetivos uma quantidade de "putas" a quem amou de paixão. "Quão verdadeiras são estas mulheres!" diria ele.
Nestes tempos de trajar tão igual, mulheres usando ternos iguais a homens, roupas que anulam toda a sua feminilidade, a exibição do corpo feminino ainda é tabu.
Lembro de um dia na TV em que um consultor recriminou uma senhorita candidata a uma vaga de emprego por sua forma de trajar despojada. Sua visão machista carimbou o rótulo: VADIA!
Ainda bem que o movimento Slutwalk (em tradução livre, algo como "Marcha das Vadias"), que espero chegue logo por aqui, está levando às ruas americanas e canadenses, um grupo de mulheres indignadas, em sua maioria estupradas, que clamam pelo seu modo de ser, de se trajar, de se exibir.
Tomara que a menininha exibida da escolinha tome conhecimento da "Marcha das Vadias", e empunhe a bandeira, continuando a ser aquela doce e ingênua criatura, sem medo de ser feliz (e feminina).