Tuesday, May 25, 2010

O VALOR DE UMA AMIZADE

Sentado no balcão do boteco eu perguntei ao homem “Quantos amigos você tem?”
Ele me respondeu “Nenhum! A todos perdi no vendaval da vida.”
E continuou “Aos amigos doei uma parte de mim. Com eles sorri, chorei, senti e fui feliz, e hoje vivo só!”.
Ofereci-lhe um copo de cerveja e perguntei “Por quê?”
“Havia em cada ser humano que eu conhecia e reconhecia como amigo uma capacidade de amar que despertava em mim o sonho, e que depois se transformava numa angústia de eternizar para sempre a nossa relação” continuou com a voz sofrida.
“Nessa minha vida encontrei e vivi momentos de prazer com muitas pessoas, desfrutando a esperança universal de viver em um mundo melhor, realizando sonhos, um mundo muito mais rico em conhecimento e bem estar” disse-me ele com toda a sabedoria.
Depois de mais um gole de cerveja não pude evitar em querer saber “Mas se foi assim tão feliz porque a solidão?”
“Nem tudo na vida é felicidade. Nos meus amores fui infeliz. Deixei-me tocar de maneira errada e fui consumido pela paixão ao invés de me dedicar a ser um bom amigo. Não percebi que amar demais acaba redundando em compaixão, levando a loucura o ser humano.”
“Mas mesmo me sentindo feliz ou triste consegui que as amizades rendessem bons frutos, para mim e para elas, frutos que, no entanto não foram suficientes para mantê-los para sempre junto a mim.” 
Seria esta expectativa a causa da solidão deste homem? Encheu o copo tomou nas mãos um cigarro e foi adiante:
“Hoje sei que procedendo assim, com tanta intensidade devo ter cometido erros. E o maior deles foi falar com sinceridade certas palavras, que soaram aos ouvidos dos meus amigos mais como uma contraposição aos fatos que viviam, ou aos sonhos que queriam viver, do que como verdades que só eu conseguia ver.”
“Gritei para que ouvissem, percebendo os inimigos. Queria tirar do caminho as pedras de uma trajetória brilhante que sonhava fazê-los ter.”
“Sei que não tinha o direito de intervir em seus destinos. Sei que ao invés de me deixar tomar pela emoção tinha que ter tido a força e o poder para lhes doar os elementos que lhes daria os meios de alcançar a felicidade que perseguiam.” 
Pobre homem! As dúvidas na sua cabeça bem tinham a ver com seus cabelos brancos. E eu ali, naquele fim de noite a ouvir suas sábias palavras:
“Hoje me questiono: será que não fui egoísta ao não partilhar o pouco que tinha, e movido pela razão não enxerguei o quanto que precisava daquela amizade?”
No botequim a solidão campeia. Tentei amenizar falando para ele que na vida nem tudo é perfeito, e que nem sempre se consegue aquilo que se quer. Mas ele tinha muito a me ensinar.
“Quando tomado pela razão o sentimento gera apenas insegurança, medo. Medo do infinito, medo do futuro.” Pôs-se a falar já meio bêbado, para me dizer em seguida:
“E foi esse medo, esta insegurança que me fez perder os amigos que tinha, todos, um a um, mesmo sabendo que no fundo de suas almas tivessem a certeza que eu os amava bastante. Que bem dentro de nós ardia a chama da verdadeira amizade. Amizade de pai, amizade de filho, de companheiro, de amante, de irmão.”
Esvaziei a última garrafa de cerveja que o meu dinheiro podia pagar, e quase que abraçado a ele me emocionei com suas últimas palavras:
“Hoje vivo com esta chama ardendo em mim, queimando minha esperança de conquistar um novo amigo.
Não fosse este medo de amar bem que eu queria ter de novo um amigo que apenas me ouvisse... Como você.”

Sunday, May 23, 2010

A Petiscagem Gourmet

Vamos falar a verdade. Quando saímos por ai a procura de um bar para tomar uma cerveja e beliscar uns petiscos, não estamos atrás da marca ou da fama de alguém. Saímos a procura de um lugar honesto, com preços justos, comida gostosa e cerveja.
Em se tratando de acompanhamento para uma gelada todos somos críticos na busca por sabores e acompanhamentos. Se fosse só para matar a fome a gente comprava um sanduba ou um lanche e levava para casa para tomar com a nossa loura.
Mas o que busca o sujeito que sai de um show, uma peça de teatro, um cineminha, ou que apenas marcou um encontro com a turma. Bater um papo, descontrair, ter o que comentar.
Ai vale o ambiente, o lugar do encontro, a mesa de um bar.
E é nessa hora que um bom boteco livra a cara da rapaziada. Entrar num restaurante e ter que enfrentar todo aquele salamaleque, não dá.
O belo dos botecos atuais é que eles não tratam mais o cliente como um morto de fome. É isso que tem, e come!
Cardápios elaborados, chefs atrás dos balcões transformaram todos num crítico gastronômico daqueles, mesmo se tratando de uma simples linguicinha.
E tem mais. Quem entra neste ambiente fica até perdido, tantas as opções que se apresentam.
Aqui no meu "boteco em casa" tenho uma porrada de cardápios, com opções as mais diversas, virando ao avesso situações e desejos.
Para mim cada um tem o direito de comer muito e bem. E de se sentir à vontade para experimentar de tudo.
No mínimo o sujeito vais ter uma 15 opções para se perder de tanto beliscar.
Partindo do princípio que as pessoas me chamam para cozinhar para elas, por ter um hábito alimentar refinado que foge ao simples feijão com arroz tenho que considerar que meu público é, por excelência gourmet.
Não me sinto a vontade nessa história do carioca do "rodízio de petisco". Nem tampouco com a camisa de força da tradição botequeira.
Hoje com os chamados festivais de comida de boteco o cliente está voltando ao antigo hábito, mais do que batido de viver literalmente de bar em bar a procura de novidades gastronômicas.
E é a vocês que não são bestas, nem bobos de trocar gato por lebre, que dedico todo o esforço de me entregar de corpo e alma, e oferecer sempre o melhor da petiscagem gourmet.

Saturday, May 22, 2010

De botequices e botequeiros

Quem acessa o meu site vai encontrar algumas definições de estilos de boteco pouco usuais para os entendidos no gênero.
“Botecos da Central”, “Botecos da Zona Sul”, “Botecos de Celebridades”, “Botecos de Executivos”, como os definir?
Vamos lá!


BOTECOS DA CENTRAL


A região da Central do Brasil, por ser um ponto de confluência da população mais pobre e da classe média baixa é também um ponto de concentração de um tipo de estabelecimento e comida encontrado em outros pontos do Rio de forma bem esparsa. Talvez apenas a região de Madureira e Copacabana tenham tamanho número de bares assim.


Os lugares em geral são pequenos, onde cabem apenas um balcão e poucas mesas quando as tem. Normalmente o freqüentador fica em pé, ou sentado em balconetes junto ao balcão.


A decoração (se é que se pode chamar de decoração o que existe neste estilo de ambiente) é composta por paredes azulejadas, um quadro com imagem de santo, um expositor com as iguarias que irão acompanhar a aguardente ou cerveja; e quando com mesas, toalhas de plástico “linholene” com uma garrafa de pimenta e farinha em cima, e um porta-guardanapo do tipo estojo.


A comida? Estes são lugares onde se encontra a mais representativa comida de bar carioca, os chamados “pratos feitos” ou “pfs”. A petiscagem é realizada com os mesmos ingredientes dos pratos do almoço: pedaços de frango frito, peixe a milanesa, miúdos de porco do feijão. Em outros, porém, o que se tem é a chamada comida rua, lanches em geral


Não é difícil encontrar por lá música de máquina eletrônica e as indefectíveis máquinas de karaoke (ou videoke).


BOTECOS DA ZONA SUL


Para alguns os botequins, tipo os da Central, ou os “bunda de fora” de Copacabana são os "pé sujo", e os bares da moda da zona sul (ou da Lapa) os "pé limpo" ou "botecos de grife".


Não acho que seja bem assim.


Os chamados botecos da moda nada mais são do que restaurantes de estilo jovem que deram uma voltinha por São Paulo para poder se chamar boteco.


Da decoração dos antigos botequins, o ambiente tenta trazer à lembrança as paredes azulejadas, com todo o mobiliário em madeira, e sem o uso de toalhas.


Nas paredes fotos antigas e retratos, uma tradição muito encontrada nos antigos restaurantes portugueses, dos quais a região de São Cristovão ainda guarda alguns.


A iluminação rarefeita é uma outra característica deste tipo de lugar. Pouca luz chama a azaração jovem, e trás a intimidade que só o alcool dá.


No cardápio petiscos saídos do repertório da chamada comida popular brasileira, misturados a toques de criatividade da gastronomia de bom gosto, como ervas, queijos e azeites.


Quando servindo refeições se aproximam mais de uma pizzaria, restaurante ou churrascaria, do que de um botequim.


Música ao vivo ou eletrônica centrada no repertório da chamada MPB, tendo a antiguidade dos chorinhos e sambas é uma tendência deste tipo de boteco.


BOTECOS DE CELEBRIDADES


Nestes o espaço para bebericagem restringe-se cada vez mais ao lounge. Por serem muitos, amplos espaços dividem-se em churrascarias, restaurantes e pizzarias num mesmo endereço.


Possuem discotecas e ambientes de dança e música ao vivo. Todo o material de uso é chic e de extremo bom gosto.


E quando não são grandes locais são bistrôs, o que no fundo dá a mesma coisa em se tratando de decoração clean.


Não posso falar muito deste tipo de boteco (assim eles se intitulam), pois pouco os conheço, mas nos que fui a comida pouco lembra a comida de um botequim.


Dá para notar a mão de um chef transformando aquilo que era simples em alguma coisa sofisticada.


Alias esta tendência às pequenas porções para petiscagem tem levado alguns a se apropriar do conceito botequim mais como forma de se tornar popular.


A decoração de um “boteco de celebridades” usa muito vidro, transparência, claridade, ficando o escurinho para o local de dança, a não ser quando uma varanda permite economizar e aproveitar a luz da rua ou do luar.


BOTECOS DE EXECUTIVOS


Também um ambiente bistrô está quase em extinção, uma vez que a comida fast-food tem tirado da turma do paletó-e-gravata o prazer do uisquinho ao por do sol. Ainda mais agora que a bolsa de valores se mudou para São Paulo.


O que me vem à memória são os restaurantes de comida a quiilo freqüentados pelos endinheirados funcionários das estatais, multinacionais e diretorias dos bancos do centro da cidade, e que ao entardecer insistem em não fechar.


Não vou me deter muito naquilo que penso da definição para o lugar, pois a que tenho é ultrapassada, posto que agora o meu “boteco de executivo” do passado hoje são botecos de celebridade que fecham cedo.


Sei que vou tomar paulada por tudo que é lado, mas como botequeiro que não se apega as tradições e aos regionalismos tinha que me explicar.

Thursday, May 6, 2010

Um definitivo conceito de botequim

Do blog de Roberta Sudbrack retirei este artigo que me parece estabelece a verdadeira diferença que existe entre boteco o restaurante...

"Eu nunca quis ter um restaurante…
sexta-feira, 30 de abril de 2010


A princípio o título de hoje pode chocar quem não estiver disposto a ler o resto do texto. Na vida também é assim, muitas vezes a primeira impressão é péssima e quando não há interesse mútuo na chamada segunda chance pode-se perder muito. Ou não. Depende de cada um. Depende do que cada um quer!

Eu realmente nunca quis ter um restaurante, eu sempre quis ter uma casa. Casa é o lugar pra onde a gente sempre quer ir. É lá que a gente pode usar camiseta velha e furada. Eu sempre me pergunto cada vez que visto uma: será tem algo melhor na vida? Em casa a comidinha está sempre em cima do fogão. É verdade que na minha época de escola, a minha avó, cuidadosa que só, deixava o meu prato todo arrumadinho dentro do forno morno. Certamente hoje em dia diriam os moderninhos se tratar de uma espécie de câmara de ar quente! Mas era só afeto.

Casa é afeto. Casa é conforto, mas conforto lá tem a ver com excesso? Conforto tem a ver com bem estar. Bem estar tem a ver com cuidado. E cuidado tem a ver com afeto. Logo, tudo começa e termina no afeto.

Afeto desde a escolha dos ingredientes que serão servidos. Até a definição da forma de servi-los. Nesse caso o afeto é extensivo aos próprios ingredientes, já que o respeito, pelo menos o verdadeiro, normalmente também é recheado de afeto. O afeto nas relações, no comprometimento da causa que cada um carrega com orgulho estampado no peito. O afeto do servir. Esse eu considero o mais importante de todos. Sempre digo para o meu pessoal: “Somos serviçais, entrar pela porta dos fundos e usar o banheiro da área de serviço tem que ser uma coisa natural para nós. Caso contrário, não conseguiremos servir com afeto.”

Outro dia escutei de alguns entendidos no assunto a seguinte definição sobre o que vem a ser um botequim: “Botequim é aquele lugar aonde as pessoas vão pra se sentir em casa. É aquele lugar aonde o dono conhece as pessoas pelo nome e sabe do que elas gostam ou não gostam. Botequim é aquele lugar aonde o dono chega cedo e sai tarde, está sempre lá, sabe onde está sujo e precisa limpar e conhece as pessoas que trabalham com ele pela respiração.” Aí eu pensei: “Eu tenho um botequim!” Que bom, já que eu nunca quis ter um restaurante! "